Meu curto verão em Tambaú

por Dalmo Oliveira*

Foto: Kleide Teixeira


A notícia de que a Prefeitura de João Pessoa vai desapropriar o famoso Tropical Hotel Tambaú me reacendeu lembranças muito boas do curto período, em meados da década dos anos 70 do século passado, em que eu pude curtir alguns veraneios num apartamento tipo quitinete que meus avós alugaram para dar suporte à minha tia caçula, irmã da minha mãe, que estava terminando o curso de Enfermagem na capital da Paraíba. 


Foram feriados prolongados e férias de fim de ano inesquecíveis para um garoto entrando na puberdade que costumava vir de Guarabira apenas para fazer consultas com os hematologistas ou, mais geralmente, para ser internado por conta das crises provocadas pela anemia falciforme. 


O AP fora construído nos fundos da bela casa de número 193, onde morava o velho Virgílio com sua família. Anos depois se tornaria a famosa Galeria Gamela. Ficava virado para a Rua Nossa Senhora dos Navegantes, defronte para o que é hoje o Hotel Caiçara.


Lembro do garoto mais novo da família que se chamava Léo e tinha um cachorro lindo chamado Bob de pelo longo e amarelo. Eu ficava encantado de como Bob e Léo dominavam tranquilos aquele trecho do bairro nos quarteirões arborizados que se espalham a partir da entrada principal do hotel. A brincadeira mais legal era chutar uma bola ao mar para o cão ir buscar nadando e trazer de volta pra gente na areia. 


Subíamos pela avenida Olinda passando sempre defronte à igreja de Santo Antônio, dando defronte pro magnífico hotel, erguido sob as areias da praia, com sua torre de antenas no miolo. No caminho do banho de mar, nossa diversão era subir as encostas gramadas do Hotel Tambaú e na volta dava até para tomar banho de água doce dos esguichos que saiam das mangueirinhas que eram colocadas para aguar o gramado fantástico que arrodeava quase todo o prédio.


O cinema do Hotel Tambaú também deve ter sido o primeiro que frequentei em Jampa nas sessões que rolavam no fim de tarde. Não me pergunte qual a película, mas pode ter sido aquelas primeiras de Os Trapalhões ou coisa parecida. No corredor interno, em frente às gigantes portas de vidro do cine, haviam diversas lojas, especialmente de roupas da “moda-praia”. Eu achava tudo muito bacana, muito chique, sem saber que aquilo era uma espécie de protótipos dos shoppings-centers que temos hoje.


O mercado de Tambaú também era algo diferenciado. Eu achava estranho ver as pessoas fazerem a feira trajadas com aquelas roupas de banho. Ou as senhoras grã-finas bem-arrumadas comprando caranguejo ou peixe. Uma vez minha tia levou a gente pra comer batatas fritas com refrigerante no Elite. Cara, eu comi tanto nessa ocasião que tive uma constipação violenta, passei vários dias com diarreia e até hoje sinto náuseas com o cheiro da fritura da batata.


Foram poucos verões curtindo o ambiente elitizado e praieiro de Tambaú, mas suficientes para me constituírem um pouco como cidadão privilegiado dessa parte da cidade linda que é nossa capital. Antes minha família alugou algo na Torre (Barão Mamanguape) e depois saiu a casa da minha outra tia no Geisel, de onde não saímos mais até hoje. 


Das últimas vezes que entrei no Tambaú foram para ciceronear meu ex-chefe da Embrapa que viera da Bahia e se hospedou lá para participar de um evento na cidade, e para um evento de prefeitos paraibanos ocorrido no antigo cinema, no qual aproveitamos a oportunidade para tentar estimular adoção de políticas públicas em segurança alimentar e saúde da população negra.


Se eu fosse o atual prefeito da Cidade do Sanhauá transformaria o Hotel Tambaú num centro multiusos. Ali cabe perfeitamente um local para eventos e treinamentos. Os cearenses transformariam aquela estrutura numa espécie de Museu da Pesca, Museu do Mar ou coisa do tipo, aonde se pudesse difundir cultura e arte marinha. Quem sabe um Aquário Público. Se fosse na Bahia, seria também espaço para teatro, música e… capoeira, maculelê. E certamente haveria uma maravilhosa escola de gastronomia pública, com um belo restaurante oferecendo os pratos desenvolvidos pelos novos chef’s aprendizes. 


O Hotel Tambaú também pode abrigar algumas secretarias, como a do Turismo e a de Inclusão Econômica Popular e a SECOM. A sede da TV Cidade e de uma rádio pública da Edilidade. A piscina (não sei se ainda existe) pode ser usada para aulas de natação e hidroterapia para idosos da região. Há inúmeras possibilidades, basta ousar e ser criativo. 


O fato é que o Hotel Tambaú, entregue à cidade como marco de modernidade em 1966, um ano antes que eu nascesse, sempre foi (e será ainda por muitos anos) um dos principais símbolos da nossa cidade, independentemente de sua condição geográfica desastrosa e inadequada. O legado de Sérgio Bernardes para uma arquitetura que teria produzido um novo diálogo entre poética construtiva e a estrutura formal tem tudo para ser incorporado/tombado ao magnífico conjunto arquitetônico pessoense.


Transformar o Tambaú num equipamento público, para usos diversos, seria, de certa forma, um ato de reparação do Poder Público para com a cidadania dos pessoenses e paraibanos. Reparação de um crime ambiental que foi cometido por esse próprio Poder Público, que agrediu de maneira irreversível a paisagem natural de Tambaú, permitindo a implantação de uma imensa estrutura de concreto no caminho da praia, impedindo o livre fluxo das pessoas durante as marés altas. 


Depois de tantos anos e de tantas polêmicas em seu entorno, o Hotel Tambaú pode ser colocado num patamar de marco referencial, num ponto equidistante entre uma anti-arquitetura modernosa e um destino exótico pré-Dubai. Basta que tenhamos… coragem!


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*Dalmo Oliveira é jornalista e nasceu em Guarabira.